Mamma


Foi numa noite quente. Depois de beber quase um litro de cachaça e suar como um porco nos braços de Sirlei que Tirso ouviu pela primeira vez o choro do nenê. Perguntou a ela de quem era, mas teve como resposta aquele tipo de silêncio que só as putas são capazes de fazer. Não deu bola e resolveu levantar. Vestiu seus trapos gaudérios e saiu pelas ruas de Cacequi, despertando a ira dos cuscos mais zelosos. Dois dias depois, entretanto, ao ouvir novamente o choro da criança, não agüentou:

– Isso aqui não é lugar de criança, Sirlei! Vô reclamá pra véia Oziris!
– Não faz isso, Tirso. Se mais alguém reclamá vô te que imbora! Tô procurando quem queira cuidar dele…
– Êta merda… que tô pra vê puta que não engravide!
– Meu caso é diferente! Virei puta porque engravidei! E agora sai, sai que já perdi a vontade por hoje!
– Humpf! Essa é a história mais besta que já ovi!

No dia seguinte, Domingo, lá estavam Tirso, Maria e Mãe Velha. A matriarca lavava pra fora. Cuidava das roupas de cama e de salão dos fazendeiros mais ricos de Cacequi. Maria separava os feijões espalhados em cima da mesa no patio, debaixo de uma parreira. Tirso afiava sua faca predileta numa pedra. E Mãe Velha olhava pro nada, sentada numa cadeira de balanço… fazendo um frivoletê. Há tempos queria uma toalhinha pra mesinha de canto da sala.

– Onte eu vi uma coza estranha lá na Oziris.
– Já te disse que não quero que tu prozeie sobre tua porquerada de omi aqui em casa, Tirso!
– Mas Mãe… Tinha um bebê lá!
– Pobre criança, pobrezinha… De quem Tirso? Pobrezinha…
– Maria!
– Mas Mãe, magina… coitadinha…
– Pozé, mas tava eu lá e ovi esse choro. Aí despôs eu sôbe. Era duma muié lá. Qué dá… porque o nenê chora e a Oziris perde cliente.
– Eu quero, Tirso. Pó trazê que eu quero!
– Maria, mas Maria… Quéissofia… Tu é menina moça, que vão pensá… Mas de jeito nenhum!
– Pótrazê, Tirso. Pótrazê…

Maria sempre foi uma mulher gentil, carinhosa. E já tinha seus 18 anos, queria casar e ter filhos. Acima de tudo ter filhos… Como já trabalhava no serviço de correio e telégrafo da cidade, ganhava seu dinheirito, o que de certa forma lhe dava alguma autonomia diante da Mãe. Apesar de delicada como um vaso de cristal, Maria era flor do campo, tinha idéias próprias sobre o amor e nem mesmo uma ventania como a Mãe a fazia mudar de idéia depois de tomada uma decisão.

Até hoje não se sabe se por estar bêbado ou porque sabia da fortaleza que era Maria, que pedia pela criança todo dia… O que se sabe é que duas ou três semanas depois, Tirso apareceu de madrugada com a criança. Ainda cheirando a cachaça, esticou os braços para que Maria acolhece o bebê… Ela abraçou quase chorando de alegria e perguntou:

– Ela tem nome?
– Tirso sorriu e soletrou, bêbado… É N-e-l-y… Nely hahahahaha… Nely!

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Trópico de Câncer
Comentários do post 38373994
O lindo disso tudo é que a estória não termina... continuará por muitas gerações. Esse é o maior valor da VIDA, continuar vivo apesar da morte! Zelda | Email | 30-03-2006 18:51:04
Arriba, arriba! Adelante com essa história. Quando a li, senti - e te disse - uma trsiteza, uma emoção... Ritinha | 30-03-2006 13:08:00
Pois um bebê que vem pra casa, pros braços da gente tendo chorado o abandono, o descaso, a impossibilidade, sem ter habitado nosso ventre, sem chegar por aciente na vida de quem acolhe, parece ser quase sempre destinado a viver uma grande história de amor. Nos 70 anos que seguem, não é disso que se pode falar? Pois aqui em casa só projeto pra minha princesinha, que já nem é mais bebê: uma mulher forte, capaz de desvelar sabedoria e amor em toda experiência de convívio. feito ahistória da qual publicaste só o prefácio. Certo? Beijão. Claude | 29-03-2006 00:16:19
depois desse relato tem mais 70 anos de história. zele | Email | 28-03-2006 23:15:14
hummmmmmmmmm, já conheço essa história e já estou em lágrimas... essa é nossa vencedora! Daria uma linda novela, heim? continue contando. zele | 28-03-2006 23:14:21
Tão triste esse relato, esse texto, meu querido. 'stamos cá, do teu ladinho e 'stás do lado esquerodo de nosso peito. Ritinha | 28-03-2006 21:14:13